19 de outubro de 2016



Coloquei hoje o Amigos de Peniche no Youtube. Enquanto procurava sinopses, encontrei alguns textos originais do projecto:

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«O meu avô Cristovão Gonçalves Júnior, conhecido como «Cristovão Vianês», morreu no mar quando a minha mãe contava apenas nove anos. Afoito e conhecedor, era um grande pescador, quase um mito – foi-me dito, não só pela minha mãe, filha adorada e por isso suspeita, mas por outros pescadores, do seu tempo e mesmo mais novos. À minha mãe restaram memórias da angústia diária da tempestade à espreita, de épocas de mar vazio e meia sardinha a cada, de preces mais pela vida que pela fartura, mas também recordações da forma como as actividades diárias se transformavam em canção ou fado ou de como o fruto do mar restaurava a harmonia entre corações desavindos e alegrava almas enlutadas.



A pesca é hoje uma actividade económica quase em extinção, consequência das normas e políticas adoptadas pela União Europeia. Com ela desaparecem tradições e práticas típicas de uma subcultura portuguesa. Peniche já foi o maior Porto de pesca de Portugal. Atraia nazarenos, nortenhos de Viana do Castelo e Matosinhos, algarvios. Das centenas de traineiras que já existiram neste porto resta uma dezena. Os subsídios para abate de barcos, os jovens que não querem ir ao mar, os conturbados tempos do P.R.E.C e das cooperativas que não vingaram, a invasão do peixe espanhol (pescado nas nossas águas), tudo isto contribui para o fim.



Sobram memórias de naufrágios e mortes, de tentativas de melhor distribuição da riqueza do mar, de raros e corajosos investimentos em novas embarcações.



E, claro, muitas festas, preces, lengalengas, fados e procissões. Histórias de uma vida quotidiana feita da relação com o mar – respeito, medo e muito agradecimento.



«Espero que tragam pelo menos cem cabazes», desejava a minha avó, ao que lhe respondia a minha bisavó: «Só? Tão pobres no pedir… já que sois tão pobres ao menos no pedir não sejais sovinas!».



É através dessas histórias de vida, tendo como pivot o meu avô pela memória da minha mãe, que procuro a relação dos penicheiros com o mar e com as questões socio-políticas a ele ligadas.



Como todos sabem os amigos de Peniche são os ingleses que ali desembarcaram para nos libertar dos espanhóis, acabando por saquear ao longo do caminho para a capital e embarcando de volta em Cascais, deixando os lisboetas cercados a perguntar: «Onde estão os nossos amigos de Peniche?». Também de amigos falsos parece ser feita a história recente de Peniche que ecoa o destino da pesca em Portugal.»

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