Coloquei hoje o Amigos de Peniche no Youtube. Enquanto procurava sinopses, encontrei alguns textos originais do projecto:
«O meu avô Cristovão
Gonçalves Júnior, conhecido como «Cristovão Vianês», morreu no mar quando a
minha mãe contava apenas nove anos. Afoito e conhecedor, era um grande
pescador, quase um mito – foi-me dito, não só pela minha mãe, filha adorada e
por isso suspeita, mas por outros pescadores, do seu tempo e mesmo mais novos.
À minha mãe restaram memórias da angústia diária da tempestade à espreita, de
épocas de mar vazio e meia sardinha a cada, de preces mais pela vida que pela
fartura, mas também recordações da forma como as actividades diárias se
transformavam em canção ou fado ou de como o fruto do mar restaurava a harmonia
entre corações desavindos e alegrava almas enlutadas.
A pesca é hoje uma
actividade económica quase em extinção, consequência das normas e políticas
adoptadas pela União Europeia. Com ela desaparecem tradições e práticas típicas
de uma subcultura portuguesa. Peniche já foi o maior Porto de pesca de
Portugal. Atraia nazarenos, nortenhos de Viana do Castelo e Matosinhos,
algarvios. Das centenas de traineiras que já existiram neste porto resta uma
dezena. Os subsídios para abate de barcos, os jovens que não querem ir ao mar,
os conturbados tempos do P.R.E.C e das cooperativas que não vingaram, a invasão
do peixe espanhol (pescado nas nossas águas), tudo isto contribui para o fim.
Sobram memórias de
naufrágios e mortes, de tentativas de melhor distribuição da riqueza do mar, de
raros e corajosos investimentos em novas embarcações.
E, claro, muitas festas,
preces, lengalengas, fados e procissões. Histórias de uma vida quotidiana feita
da relação com o mar – respeito, medo e muito agradecimento.
«Espero que tragam pelo
menos cem cabazes», desejava a minha avó, ao que lhe respondia a minha bisavó:
«Só? Tão pobres no pedir… já que sois tão pobres ao menos no pedir não sejais
sovinas!».
É através dessas
histórias de vida, tendo como pivot o meu avô pela memória da minha mãe,
que procuro a relação dos penicheiros com o mar e com as questões
socio-políticas a ele ligadas.
Como
todos sabem os amigos de Peniche são os ingleses que ali desembarcaram para nos
libertar dos espanhóis, acabando por saquear ao longo do caminho para a capital
e embarcando de volta em Cascais, deixando os lisboetas cercados a perguntar:
«Onde estão os nossos amigos de Peniche?». Também de amigos falsos parece ser
feita a história recente de Peniche que ecoa o destino da pesca em Portugal.»
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